Not used / From "Artistic Practice as Personal Hygiene Tool" • 2012-13 • Photography • artist proof
A série “Prática Artística Enquanto Ferramenta de Higiene Pessoal” apresenta-se como
trabalho-tese do doutoramento
“O Artista pelo Artista na Voz do Próprio”.
Cenografia e cena
No caso particular desta série de imagens, a cenografia utilizada é bastante simples e doméstica, essencialmente constituída por dois planos ortogonais iluminados por uma luz indefinida.
Na horizontal, sobre uma mesa, foi colocada uma placa de cartão prensado cinzento, com vestígios de uma prévia utilização enquanto base para cortes com x-acto. Na vertical, pendurada na parede, foi presa uma grande folha de papel branco, levemente vincada aqui e ali. Os dois pontos de luz, mal apontados para a cena, não conseguem ser totalmente filtrados pelos dois planos de papel translúcido, colocados entre os focos e a cena, adivinhando-se, ora mais ora menos, a sombra projectada dos objectos sobre o cartão onde estão assentes.
Foi este o ambiente cenográfico sobre o qual foram montadas as várias composições, também elas bastante simples e semelhantes entre si.
Para a cena, foram seleccionados um conjunto de objectos relacionados com a higiene pessoal e íntima, de acordo com as suas características físicas (tamanho, forma, cor, etc...) e relativizando a importância das suas funções práticas. Esses objectos foram montados no centro da cena, como naturezas-mortas, por forma a serem tomados numa perspectiva que bem os defina. Alguns dos objectos foram apresentados numa posição de equilíbrio instável, auxiliados por pedaços de massa adesiva re-utilizável amarela (tipo Bostik), que marcam presença, com diferentes configurações, ao longo de várias imagens (por exemplo, “Escova de cabelo”, “Pasta de dentes” e “Tesoura de unhas”).
As fotografias, impressas em pequeno formato (aproximadamente 7x12,5cm) sobre papel fotográfico mate, foram colocadas numa janela horizontal, centrada sobre a vertical de um cartão preto de 30x21cm.
As imagens fotográficas subpostas em cartões pretos, semelhantes ao formato A4, apresentam-se próximas do documento ou do registo. O próprio número elevado de imagens que constituem a série remete para a sistematização, a categorização, a catalogação, a colecção, o arquivo...
É nesta cenografia, que mal parece um laboratório, mal parece uma oficina, mal parece um estúdio, ou, dito de outra forma, é nesta cenografia, suficientemente técnica, suficientemente oficinal, que o título da série remete para o atelier de trabalho como o espaço onde tudo está a acontecer, digo, é nesta cenografia, com os objectos expostos no centro da cena, que se passa o drama.
Drama
No momento inicial do percurso prático desta investigação, existiu a forte vontade de levar a cabo uma tarefa colossal: fotografar todos os objectos existentes para re-organizar, re-ordenar, re-criar o mundo através desse conjunto de imagens.
A utilização do modelo de imagem fotográfica baseado num fundo asséptico sobre o qual está centrada, em primeiro plano, uma forma saliente, decorre da vontade de isolar individualmente os objectos no centro do enquadramento fotográfico e, desta forma, fazer recair sobre eles a carga dramática da imagem. O drama (a narrativa, a acção, a encenação, o conflito, a crise, o acontecimento, o fenómeno) passa-se no objecto.
Aqui, os objectos valem pelas coisas para as quais remetem, ou, de forma mais completa, aqui, os objectos valem pelas ideias convocadas pelas coisas para as quais remetem.
Por exemplo, a escova de dentes, pretende reduzir o objecto fotografado à respectiva coisa para a qual ele remete: a ideia de escova de dentes. E enquanto coisa, enquanto ideia de escova de dentes, ela é branca, como todas as coisas que são brancas, ela é manuseável por um cabo, como todas as outras coisas que têm cabo para serem manuseadas, ela é escova, como todas as outras coisas que escovam, etc...
Todos os objectos aqui representados, mais do que pela sua objectualidade (pela sua realidade física), valem pela sua coisilidade (valem pela ideia para a qual a sua existência metafísica remete). E através deste conjunto objectos/coisas/ideias formou-se uma narrativa visual com quarenta e sete imagens fotográficas. Chama-se “Prática Artística Enquanto Ferramenta de Higiene Pessoal” e expõe o percurso realizado nesta investigação, desde a prática artística do atelier até à intimidade da casa. Desde o artista até ao indivíduo.
Retirado do “Posfácio” do doutoramento “O Artista pelo Artista na Voz do Próprio” (pp. 301-302).